sábado, 26 de agosto de 2023

 

Umbra

GENERG FOTÓGRAFO DE NATUREZA DO ANO – 2º PRÉMIO (ARTE FOTOGRÁFICA).

 Domingo, 04 de Junho de 2022, 13h08m. O vento está recolhido, a dormitar uma sesta longa, algures noutro canto da Terra. O sol, no seu zénite, irradia um calor sufocante, quase irrespirável. Apenas algumas aves com deveres paternais esvoaçam de um lado para o outro, em esforço, em busca de alimento para as suas crias. No telheiro do quintal da minha casa, instalada na parede orientada a nascente, uma caixa-ninho de madeira alberga cinco juvenis de chapim-azul, que no seu interior, aguardam expectantes, as visitas regulares dos seus progenitores, para lhes saciar a fome. Entre eles e eu –que estou  sentado numa cadeira, com a máquina fotográfica montada sobre um tripé, escondido por uma rede de malha camuflada -  inúmeras peças de roupa presas com molas multicolores a vários fios estendidos, criam uma barreira policromática, apenas rasgada por estreitas aberturas que me permitem visualizar o objeto que pretendo fotografar. A ideia original que a minha mente formulou, era fotografar estas aves na sua azáfama, naquele ambiente humanizado, e que, decididamente, não incomodavam de forma alguma estes pequenos seres alados, mesmo quando o vento soprava. O suor escorria abundantemente sobre a minha pele, colando-me a roupa humedecida ao corpo, o que me levava em intervalos não mensuráveis, a retirar-me do local e a dirigir-me até à cozinha, onde, uma garrafa de vinho verde branco, fresquinho, esperava por mim. Ela, e alguns bocados de pão, queijo e chouriça. E claro, também uma púcara de água.

Ao fim de quase seis horas, e de muitas “chapas” tiradas, consegui o objetivo a que me propusera, e na generalidade, os resultados agradaram-me. Foi então que na última meia de luz, com o sol a aproximar-se do horizonte, as sombras, do poiso casual e das aves, começaram a destacar-se na parede, germinando na minha mente, uma nova visão que nasceu do acaso, gerando imagens impregnadas de minimalismo. E assim foi, até que a luz do astro-rei deixasse de incidir sobre o local. Satisfeito, com esta tarde bem passada, já no conforto do cadeirão da sala, visualizei as fotos que tinha captado ao longo desta sessão fotográfica. Durante a manhã tinha caída uma ligeira chuva, cujas gotículas fui captando em contraluz. Foi então, que ao visualizá-las, num momento de inspiração, decidi fundi-las com as das aves, criando algumas duplas exposições “in camera”, e, que levaram à conceção desta imagem. Foi como um sonho que consegui tornar realidade, numa tarde de domingo primaveril e colorida, que naquele momento, eu quis que se tornasse cinzenta, levemente pluviosa, e com círculos de luz cintilantes. A fotografia tem esta magia!



 Sobrevivente

GENERG FOTÓGRAFO DE NATUREZA DO ANO – 2º PRÉMIO (CATEGORIA RÉPTEIS E ANFÍBIOS).

 Após um longo período de seca extrema durante o ano de 2017, a escassa chuva que caiu no final do inverno desse ano e no início da primavera de 2018, originou um fino lençol de água, efémero, traiçoeiro, em vários charcos temporários das Dunas de Mira, e nas zonas limítrofes. Os anfíbios sobreviventes do devastador incêndio de 15 de Outubro de 2017, apressaram-se, numa excitação incontrolável, na procura dos seus pares para encetarem mais uma época de reprodução, vital para originar uma nova geração que daria continuidade a várias espécies de anuros e urodelos, todos eles com uma existência dupla entre dois mundos: a terra e a água. A estação das chuvas fora curta, e, as altas temperaturas aceleraram a evaporação do caldo da vida. Em meados de Maio, quase já não existia água que permitisse o normal desenvolvimento do ciclo de vida destes seres, e a pouca que ainda havia, estava espalhada por várias poças pouco profundas, fragmentadas, a maioria das quais, não passava de um refúgio lamacento, onde o solo ainda húmido, prolongava a agonia dos girinos que se debatiam para sobreviver.

Num final de tarde escaldante, cuja cinza poeirenta se elevava no ar a cada passo que eu dava, numa dessas poças, repleta de sapos-de-unha-negra, ainda em desenvolvimento, uns já cadáveres, outros moribundos, com a pele desidratada e os olhos abertos a fitarem a morte que inevitavelmente se aproximava, um jovem sapo-corredor, recém-metamorfoseado, pouco maior do que uma unha do dedo mindinho humano, um afortunado, caminhava com breves impulsos sobre os seus corpos, alheio ao sofrimento desta cena trágica. Em anos normais, neste charco, a profundidade da água ainda seria suficiente para permitir que milhares de girinos se desenvolvessem, deixassem o precioso líquido, e se aventurassem em terra, sobre a forma de jovens anfíbios de quatro patas. Mas desta vez, a natureza impiedosa, não lhes permitiu alcançar esse estádio, esse desígnio final, que os levaria, também a eles, a deambularem pelas areias gandaresas até chegar a hora de contribuírem para a perpetuação da sua espécie, tal como o haviam feito os seus antepassados. Da minha parte, assistir a este drama, foi uma dor de alma, profunda, sentida, ciente de que pouco mais poderia fazer para além de transferir alguns dos poucos sobreviventes para águas mais profundas. No final, restou-me ainda algum tempo para captar este momento mórbido. Para a memória futura.


Louva-a-Deus-de-corno

GENERG FOTÓGRAFO DE NATUREZA DO ANO - MENÇÃO HONROSA (CATEGORIA PEIXES E INVERTEBRADOS).

 

A primeira vez que vi uma Louva-a-Deus-de-corno, foi no cordão dunar junto ao Palheirão, há cerca de 30 anos. Era um belo macho adulto, com as suas antenas emplumadas, e a sua posição fez-me lembrar um guerreiro samurai pronto para o combate. As ninfas desta espécie, são bastante miméticas, incluindo os olhos, e se não se moverem passam completamente despercebidas na vegetação. No caso deste individuo, foi fácil detetá-lo, uma vez que, por motivos que desconheço, passeava-se sobre a cortina branca da sala de estar da minha casa, a mesma que lhe serviu de fundo para que eu pudesse captar a sua essência. Após várias fotos, decidi colocá-la numa gramínea, e ao fim de algum tempo este pequeno inseto foi-me proporcionando momentos únicos de contemplação, relaxantes, deixando-me fotografá-lo nas mais variadas composições e posições, entre as quais esta, em que lambe uma das suas patas posteriores, que armadas com pequenos espinhos, são utilizadas para capturar as suas presas. Das nove espécies de Louva-a-Deus que existem em Portugal, esta é, sem dúvida, a mais singular, e para mim a mais bela. Por diversas razões, esta sessão fotográfica, foi também a última que fiz durante vários meses. Nos dias de hoje, raramente fotografo, e quando o faço, recordo-me frequentemente daquele fragmento de dia passado na companhia deste inseto admirável. Inspirador!


 


Impressões da Mata da Penoita – Primavera

GENERG FOTÓGRAFO DE NATUREZA DO ANO - MENÇÃO HONROSA (CATEGORIA PARQUE NATURAL LOCAL VOUGA-CARAMULO).

Domingo, 24 de Abril de 2022. Neste dia, eu e o meu filho, Afonso, rumámos em direção à Mata da Penoita, localizada nas proximidades de Vouzela. Desde data anterior ao incêndio de 15 de Outubro de 2017, que eu não a visitava. O bosque de bétulas, de ritidoma branco, marcado com lenticelas - que se assemelham a pergaminhos penados de linhas escuras - é a sua principal referência, ou era, até à passagem do incêndio. Muitas árvores arderam, outras secaram, outras tombaram e, no seu lugar ficaram várias clareiras. Apesar deste contratempo, continua a ser um espaço de uma beleza cativante. Observámos que a regeneração natural está a seguir o seu percurso normal, com as árvores jovens a lutarem por um lugar ao sol, assim como, algumas das velhas, caídas, a servirem de alimento e abrigo a várias espécies de animais, plantas, musgos e fungos. Seguindo a sucessão ecológica, parte do espaço da mata está preenchido com diversas espécies de arbustos, entre os quais, se destacam as giestas-brancas, que durante o período da floração, transformam o local num paraíso de uma alvura pura. E foi essa característica que me inspirou a criar esta imagem, jogando com diversas exposições e baixos campos de profundidade, numa espécie de jogo mágico, tendo como primeiro plano, desfocado, aqueles arbustos, e, como segundo, focado, os troncos, ramos, e as jovens folhas dos carvalhos a brotarem, criando um contraste fresco, alegre, primaveril. E após um almoço vegetariano, no local, rumámos de alma cheia, em direção à Reserva Natural do Cambarinho, não muito distante desta mata, onde fomos surpreendidos por algumas flores de loendros, já abertas. Um dia inesquecível!