sábado, 26 de agosto de 2023


 Sobrevivente

GENERG FOTÓGRAFO DE NATUREZA DO ANO – 2º PRÉMIO (CATEGORIA RÉPTEIS E ANFÍBIOS).

 Após um longo período de seca extrema durante o ano de 2017, a escassa chuva que caiu no final do inverno desse ano e no início da primavera de 2018, originou um fino lençol de água, efémero, traiçoeiro, em vários charcos temporários das Dunas de Mira, e nas zonas limítrofes. Os anfíbios sobreviventes do devastador incêndio de 15 de Outubro de 2017, apressaram-se, numa excitação incontrolável, na procura dos seus pares para encetarem mais uma época de reprodução, vital para originar uma nova geração que daria continuidade a várias espécies de anuros e urodelos, todos eles com uma existência dupla entre dois mundos: a terra e a água. A estação das chuvas fora curta, e, as altas temperaturas aceleraram a evaporação do caldo da vida. Em meados de Maio, quase já não existia água que permitisse o normal desenvolvimento do ciclo de vida destes seres, e a pouca que ainda havia, estava espalhada por várias poças pouco profundas, fragmentadas, a maioria das quais, não passava de um refúgio lamacento, onde o solo ainda húmido, prolongava a agonia dos girinos que se debatiam para sobreviver.

Num final de tarde escaldante, cuja cinza poeirenta se elevava no ar a cada passo que eu dava, numa dessas poças, repleta de sapos-de-unha-negra, ainda em desenvolvimento, uns já cadáveres, outros moribundos, com a pele desidratada e os olhos abertos a fitarem a morte que inevitavelmente se aproximava, um jovem sapo-corredor, recém-metamorfoseado, pouco maior do que uma unha do dedo mindinho humano, um afortunado, caminhava com breves impulsos sobre os seus corpos, alheio ao sofrimento desta cena trágica. Em anos normais, neste charco, a profundidade da água ainda seria suficiente para permitir que milhares de girinos se desenvolvessem, deixassem o precioso líquido, e se aventurassem em terra, sobre a forma de jovens anfíbios de quatro patas. Mas desta vez, a natureza impiedosa, não lhes permitiu alcançar esse estádio, esse desígnio final, que os levaria, também a eles, a deambularem pelas areias gandaresas até chegar a hora de contribuírem para a perpetuação da sua espécie, tal como o haviam feito os seus antepassados. Da minha parte, assistir a este drama, foi uma dor de alma, profunda, sentida, ciente de que pouco mais poderia fazer para além de transferir alguns dos poucos sobreviventes para águas mais profundas. No final, restou-me ainda algum tempo para captar este momento mórbido. Para a memória futura.

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